Entrevista – Cooperativa de Cinema da Bahia

A produção de cinema na Bahia vive um momento bem peculiar, sobretudo quando tomamos como base o fato de termos grandes realizadores no cenário atual, tais como Henrique Dantas (Filhos de João – O Admirável Mundo Novo Baiano), João Rodrigo Mattos (Trampolim do Forte), Daniel Lisboa (O Fim do Homem Cordial), Paula Gomes e Haroldo Borges (Pornográfico) e muitos outros, e ao mesmo tempo termos um mercado de produção e distribuição de cinema ainda bem incipiente, principalmente se compararmos com outros estados.

Foi pensando nas dificuldades impostas por esse cenário, e também nesta lacuna encontrada, que pessoas de diferentes perspectivas profissionais começaram a discutir, desde o final do mês de março passado, com o intuito de,  principalmente, buscar saídas para estes problemas apresentados. Assim, com pouco tempo de conversas, já haviam entrado em um consenso: montar uma cooperativa de cinema na Bahia.

A Cooperativa de Cinema da Bahia (Copercine) já conta com mais de 650 membros no Facebook e alguns destes membros veremos aqui nesta entrevista concedida por eles na última quarta-feira (9 de maio) no hall de entrada da Sala Walter da Silveira.

Estiveram presentes João Jasmin (que também conversou conosco sobre o workshop ministrado na UFRB), Chico Argueiro Neto, Carla Almeida, Livio Maynard, Heron Brandão, Giva`s Santiago, Danilo Alves e Cabrito Marques. Nesta conversa eles falam das expectativas em começar este novo projeto, da produção de cinema na Bahia, de todo o processo burocrático necessário para se criar uma cooperativa, da política de editais e muitas outras coisas. Fiquem agora com alguns momentos desta interessante conversa.


Cabine Cultural – Como começou o processo de discussão e criação da Cooperativa de Cinema da Bahia?

Livio Maynard – Eu sentia que aqui em Salvador tinha pólos bem afastados de pessoas que pensavam em realizar cinema. Percebi que eram grupos bem isolados, de gente que se reunia para fazer cinema independente. Então quando entrei no Facebook a primeira coisa que fiz foi criar o grupo Cineastas Baianos. Ai comecei a incluir pessoas que conhecia e essas pessoas fizeram o mesmo. Isso foi crescendo e depois de quase um ano percebi que tínhamos chegado em 540 membros. Pensei: por que não nos reunimos e fazemos alguma coisa? Lancei essa provocação duas vezes. Na segunda vez a ideia vingou e foi ai que conheci o Chico Argueiro, que deu a fagulha da ideia do que seria a cooperativa. Então a ideia nasceu no grupo Cineastas Baianos e a partir daí tomou vida própria.

CC – E a relação com a Casa de Cinema, com o Lázaro Faria, veio também neste momento?

Chico Argueiro Neto – Aconteceu como reação à provocação de Lívio. O Lázaro prontamente ofereceu a Casa de Cinema. Conseguimos juntar um grupo de 13 pessoas na primeira reunião, incluindo o próprio Lázaro. Daí nós conversamos sobre como seria o formato. E essa fagulha mencionada não era necessariamente sobre a cooperativa, mas sim sobre o que poderíamos fazer… se seria uma associação, uma S.A, uma cooperativa… E na cooperativa o trabalho seria coletivo e igual, não seria um grupo para os que teriam mais dinheiro ou menos dinheiro investido, para os que teriam mais tempo ou menos tempo. Existe um respeito muito grande aos fundadores, isso sim. E com o estatuto não se estabelece privilégios para o sócio-fundador, mas no regimento estamos discutindo para que esses sócios tenham o que chamamos de fidelidade, até porque as responsabilidades serão assumidas por eles (contratação de contador, produção de workshops…). Então o que trazemos para o audiovisual baiano é essa construção coletiva.

CC – O estatuto já foi aprovado?  

Chico Argueiro Neto – Ainda não…

CC – Mas já funciona… Já produziu até workshop…

Heron Brandão – E também está apoiando o documentário sobre o BAVI…

CC – Mas minha questão é outra… Você falou muito dentro de uma perspectiva mais técnica, burocrática. Queria saber se esta discussão já se fez valer desde o primeiro encontro ou se no início vocês compartilhavam de suas experiências pessoais, anseios…

Chico Argueiro Neto – Passamos por três encontros assim, todos lançando as suas demandas. A partir do terceiro encontro o Rodrigo Cavalcanti lançou um estatuto e assim discutimos sobre isso.

Heron Brandão – Acho importante essa parte, porque neste momento que foi lançado o estatuto, o Rodrigo Cavalcanti foi pesquisar a natureza do estatuto, principalmente dos relacionados com arte, que é o nosso caso. Este foi o ponto que nos uniu mais, pois quando colocamos no Facebook esta discussão, as pessoas foram sugerindo, concordando, discordando. E chegamos a um momento que precisávamos fechar para direcionar as discussões. Ai que formamos um grupo curador.

CC – Essa curadoria é formada por quantos membros?

Chico Argueiro Neto – Essa curadoria é formada por 20 integrantes, a quantidade necessária para o nascimento da cooperativa.

CC – Eles seriam tecnicamente os fundadores da cooperativa?

Chico Argueiro Neto – Sim, exatamente…

Carla Almeida – Essa curadoria está, na verdade, subdividida em comissões de trabalho. Temos várias áreas e cada uma dessas é preenchida por pessoas que são qualificadas.

CC – Como está dividido? Cineastas, atores…

Chico Argueiro Neto – Atores, jornalistas, administrador, advogado.

CC – Queria saber qual a lacuna que a cooperativa de cinema pretende preencher no mercado de produção visual da Bahia?

Livio Maynard – Temos muito realizadores, mas são nomes particulares. A maior contribuição da cooperativa no mercado para mim vai ser em organizar, aglomerar, catalogar, facilitar o acesso. Queremos deixar esse mercado mais profissionalizado.

CC – Já existem projetos de curtas-metragens e documentários dentro da Cooperativa de Cinema da Bahia? E como será feito a seleção destes?

Heron Brandão – Como é que se dá a escolha dos projetos? Existe um setor de curadoria de projetos, onde vão ser colocados os projetos, analisados e de acordo com as necessidades da cooperativa e do cooperado ele vai ser imediatamente aprovado ou não. Vai depender de recursos, de demandas. Mas esses projetos serão sempre escolhidos por esse conselho curador de projetos.

CC – Um dos problemas crônicos do cinema baiano reside na sua distribuição. Isso é consenso. Dito isso, queria propor uma reflexão: temos salas de cinema como a Walter da Silveira, Alexandre Robatto, etc., que exibem cinema baiano e cinema mais alternativo. No entanto essas salas estão quase sempre esvaziadas. Então a questão da distribuição passa por uma discussão mais ampla e profunda. Vocês estão atentos a isso?

Chico Argueiro Neto – Temos uma preocupação em formar dentro das escolas novos públicos. Estamos focados nisso.

João Jasmin – Segundo Robert McKee (famoso consultor de roteiros), se os primeiros cinco minutos de um filme não forem suficientes para segurar o espectador, já foi. Eu acho que se nós queremos criar um público para nos assistir, então temos que fazer os filmes que eles querem assistir e não os filmes que nós queremos que eles assistam. Esse é um grande problema. Você tem que direcionar o seu público para o filme correto. Eu acho que se for para mudar do tipo ‘besteirol americano’ para o tipo ‘filme cultural’, devemos antes passar pelas diversas tonalidades de ‘filme cultural’ até chegar ao ‘filme cultural’ denso. Não dá para dar um pulo automático.

Carla Almeida – O problema é formação de plateia. Mas formação de plateia não é você criar determinado evento e levar para as pessoas. Tem que ter uma identificação. Tem que haver mudanças com a formação de plateia e com exibição. Nas escolas. Com estudantes, com adolescentes e com universitários. E por que com eles? Porque eles que não estão indo. Então temos que fazer com que se identifiquem. Temos que fazer cinema itinerante. Temos que fazer os diretores, os realizadores serem conhecidos.

CC – A cooperativa muito em breve vai existir oficialmente. Queria saber o que é que muda para cada um de vocês. O que muda logo de imediato, o que vai mudar em médio prazo e o que vocês imaginam que vai mudar em longo prazo.

Chico Argueiro Neto – Acho que o cenário que está já foi modificado. Já houve uma mudança. A cooperativa já mobilizou mais de 600 membros e se 30% destes membros atuarem, teremos mais de 150 pessoas ávidas para trabalhar. Ela ainda nem começou e já ajudou 32 meninos, estudantes do Brasil, no workshop do João Jasmin. Isso já foi muito emocionante.

Carla Almeida – A cooperativa para mim representa uma mudança, de profissionalizar o cinema baiano. Ela tem que ter um trabalho de capacitação, mas também devemos trabalhar muito com exibição. Temos que levar os filmes para escolas, ONGs… de forma itinerante. E a partir disso construir uma discussão sobre o cinema nestas exibições, para que isso não se perca.

Heron Brandão – Tem duas coisas que quero imaginar da cooperativa quando ela estiver funcionando a vapor: primeiro a questão da oportunidade. Temos um cinema baiano que é conhecido pelas pessoas que tradicionalmente fizeram ele, e que são muito importantes. Mas chegou um determinado momento em que essas pessoas trabalhavam somente entre elas. E ai que você hoje tem muitas escolas de cinema no nosso estado e as pessoas vindas dessas escolas não tinham como se juntar neste grupo, porque este grupo já está fechado, o que é normal. Então, neste sentido, acaba sendo uma nova oportunidade, novos trabalhos, novos profissionais. E em segundo lugar, essa é uma oportunidade que temos de fazer um cinema profissional. Em todos os locais do mundo as pessoas ganham dinheiro com cinema e aqui no Brasil temos essa história que somente filme da Rede Globo dá dinheiro. Temos que mudar isso.

Livio Maynard – A gente tem procurado buscar um modelo que fuja um pouco do financiamento do estado. Ficarmos presos ao financiamento do estado é um vício muito prejudicial para quem faz este tipo de atividade. Isso é algo que temos discutido muito e queremos fugir um pouco desse ponto.

Danilo Alves – A cooperativa foi justamente isso, buscar pessoas que faz a faculdade, que tem um pouco de conhecimento. Porque aqui na Bahia temos essa dificuldade. Nós saímos da faculdade, temos conhecimento, mas não temos onde expor. Então a cooperativa chegou para suprir essa falha.

Cabrito Marques Eu sou o mais novo aqui na cooperativa. Eu, como um grande apaixonado pelo cinema (e pela arte no geral) estou buscando na cooperativa um maior conhecimento sobre a tecnologia e procurar fomentar, pois trabalho em um centro cultural e só agora tive a oportunidade de estar com pessoas ligadas ao cinema. A cooperativa então tem sido uma janela aberta para eu buscar esse conhecimento.

* Fotos: Carla Almeida e Giva`s Santiago.